José Carlos Vaz
Implementar uma empresa significa desenvolver uma operação voltada a determinado mercado, que se mostre receptivo aos produtos ou serviços oferecidos, e que, em contrapartida, aceite preços que permitam a continuidade e desenvolvimento das atividades da empresa, bem como propiciem adequada remuneração aos colaboradores e aos investidores.
O gestor deve dedicar-se ao aprimoramento dos processos empresariais inerentes à qualidade, segurança, custos e rentabilidade das operações e produtos, bem como ao controle e gestão de riscos e aos sistemas de capacitação de pessoas e de conhecimento do mercado, dos clientes, dos parceiros e dos fornecedores.
Ética, sustentabilidade, qualidade, responsabilidade e transparência devem ser valores efetivamente incorporados à cultura da organização, praticados de forma natural e permanente por executivos, gerentes e colaboradores, com observância de leis e regras e obtenção dos resultados pretendidos pelos empresários e investidores.
O sensoriamento do ambiente de atuação da empresa deve ser constante, e não pode ser enviesado por tradições, preconceitos ou interesses específicos. A tomada de decisão deve dar-se com base em dados e informações consistentes, na missão atribuída à instituição e no mapeamento de ameaças e oportunidades.
Os diversos atributos aludidos nos parágrafos anteriores são aplicáveis, de modo mais sofisticado ou não, a qualquer empresa, de menor ou maior porte ou complexidade, inclusive às do agronegócio, seja um estabelecimento rural, uma cooperativa, um fornecedor de insumos ou recursos, um prestador de serviços, um adquirente de produção, etc.
As “agroempresas”, contudo, por serem parte de uma cadeia ou teia de interveniências de forte dependência entre os elementos componentes, acabam assimilando parte das características específicas do segmento produtivo rural, em especial no que se refere à volatilidade da produção e da renda. Vale o dito de que a força de uma corrente é a do seu elo mais fraco.
A aludida volatilidade decorre da dependência que a produção agropecuária tem quanto ao clima, da sua vulnerabilidade quanto a pragas e doenças, da influência do câmbio no custo dos insumos, mas tem efeitos diversos conforme o perfil do produtor, quanto à sua capacidade gerencial, sua eficiência produtiva e sua capitalização e liquidez.
Não se pode relevar a possibilidade da ocorrência de um evento catastrófico, que atinja uma extensão territorial grande, afetando significativa quantidade de produtores. É por conta dessa probabilidade que os países mais estruturados mantêm políticas agrícolas tendentes à diluição de impactos por um período de tempo suficiente para a recuperação financeira da cadeia produtiva afetada.
Uma política agrícola consistente pode alavancar as atividades do agronegócio, ainda mais em um país como o Brasil, onde o setor produtivo destaca-se mundialmente pela eficiência, produtividade e capacidade de competir, mas, seja com boa política, seja sem uma boa política, a empresa “fora da porteira” que queira ter sucesso e perseverar deve dispor de mecanismos de aferição e gerenciamento do risco dos produtores rurais que são seus clientes, fornecedores ou parceiros.
A forma mais comum de projetar resultados em função do risco é a obtenção de uma distribuição de probabilidades, sua média e desvio, pelo que é preciso ter uma boa base de dados, que abranja as circunstâncias norteadoras da ocorrência de determinados resultados ou valores e permita a utilização de indicadores que possam alertar ou projetar eventual adversidade.
Numa carteira de clientes ou fornecedores de produtores rurais (que tenham atingido bom patamar de gestão e manejo da sua atividade), o evento adverso será a obtenção de um resultado financeiro abaixo do necessário, por conta dos preços obtidos serem menores que os pretendidos; e/ou da produtividade ter sido menor que a usual; e/ou dos custos de produção, no atual ciclo ou no próximo, estarem em patamares acima dos considerados compatíveis com a rentabilidade esperada.
Alguma forma de “núcleo de inteligência” deve existir na agroempresa, que, por meios próprios e/ou terceirizados, acompanhe o ambiente de atuação dos seus clientes produtores rurais, considerando aspectos como relação de troca produto/insumo, preço de produto, insumo ou serviço, câmbio, taxa de juros, clima, pragas e doenças, sementes, produtividade, macroeconomia etc., e anteveja os seus impactos sobre a situação financeira da própria empresa, em especial no que se refere aos custos e prazos da sua estrutura financeira, de modo que o gestor possa proativamente reperfilar compromissos, constituir provisões e garantir liquidez.
O resultado de uma cadeia de agronegócios como a brasileira, ao longo do tempo, é positivo, desde que se saiba como atravessar eventuais crises. Se o cliente produtor rural tiver renda, ou reservas de renda (capitalização), a probabilidade de não honrar seus compromissos é pequena, ou seja, seu risco é pequeno.
Portanto, no contexto deste artigo, a maior falha é manter estratégias de crescimento com base no passado recente (“lanterna na popa”), sem ponderar a possibilidade de ocorrência de um evento adverso ou de um bom momento de mercado.
A segunda maior falha é ser afoito na desconstituição de posições no mercado. Um produtor rural com boa capacidade gerencial e produtiva, e com capacidade de suporte a perdas em um ou dois ciclos a cada cinco, consegue em poucas safras resgatar compromissos adiados.
Quando aquele bom produtor recuperar margem, voltará a investir e a empreender, mas ciente do quanto poderá contar com o fornecedor de produtos, serviços ou recursos que foi mais ou menos parceiro nos momentos de necessidade.
José Carlos Vaz é palestrante da RCA Educação, com o tema ¨Agronegócio: indústria a céu aberto¨. Experiência de 35 anos no agronegócio, tendo atuado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento como Ministro interino, Secretário Executivo e Secretário de Política Agrícola. Também foi Presidente dos Conselhos de Administração da Embrapa e da Conab. Exerceu funções em todas as áreas relativas aos negócios rurais e agroindustriais do Banco do Brasil, onde foi Diretor de Agronegócios. Atualmente é advogado e consultor jurídico em Brasília, com ênfase em direito agrário, política agrícola, crédito rural, contratos e títulos do agronegócio. É mestre em Direito constitucional e membro da comissão de Direito Agrário da OAB-DF.